quarta-feira, 10 de julho de 2013

Da Humildade

  Muito é falado de humildade e como ela é fundamental para que haja desenvolvimento espiritual. Por muito tempo eu estive convencido de que isso tudo era balela, já que o importante mesmo é a transpiração, o esforço, pura labuta. Da mesma forma, sempre me recusei a dobrar os joelhos para qualquer entidade superior, seja ela chamada de Deus, de Anjos ou "guias". Eu realmente nunca fui de orar ou de pedir ajuda, já que compartilho de uma visão pós-moderna da magia e da espiritualidade, em que, sendo nós dotados de um Atman, e sendo o Atman o próprio Brahman, todas as outras entidades espirituais são meras fragmentações e emanações do Espírito do próprio místico que recorre a essas forças. Sendo assim, não há razão para se ajoelhar, pedir, implorar humildemente, se tudo é tão somente uma fragmentação e personificação de conteúdos psíquicos existentes em você mesmo. Todavia, há um detalhe que quase sempre deixamos escapar por conta dessa visão pós-moderna e cínica: a humildade funciona.

Pode ser que não haja uma razão filosófica absoluta para ser humilde, como querem alguns místicos muito religiosos, assim como ocultistas da idade média, que eram extremamente católicos. E por mais que não tenhamos a mesma visão extremamente medieval e religiosa, há um motivo para que esse modelo de crenças tenha existido: ok, pode ser que não existam entidades separadas do magista, mas é assim que se parece! A Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, mas olhando daqui, a Terra parece ser o centro. E, para fins puramente práticos, não importa se é assim ou não. Nenhum modelo é uma verdade absoluta, e sim uma construção mental para representar logicamente uma coisa que se experimenta empiricamente, como eu mesmo afirmei neste artigo. O problema enfrentado por quem adota um modelo pós magia do caos e pós-psicanálise é que esquecemos que até a nossa psicologia é um mero mapa. E ao menos uma boa parcela dos místicos modernos não é formada em psicologia ou psicanálise (assim como eu não sou), e nós, leigos, temos a mania de praticar um reducionismo sem sentido: "ora! Tudo isso é só a sua mente! Esses espíritos, anjos, Deus, tudo isso são aspectos do seu inconsciente, nada mais!"

Ora, não nego que a visão pós-moderna, pós-crowley, pós-psicanálise e pós-magia do caos é um mapa interessantíssimo e bem adequado aos tempos atuais (da mesma forma que a visão medieval era adequadíssima ao quadro cultural da época, encharcado de religião). Contudo, é um Mapa. E Mapas não são o Território, como já dissemos inúmeras vezes neste blog. E o problema em se praticar aquele reducionismo é que diminuímos demais a importância de tais forças. Quando você adota um modelo mais clássico, o de que há espíritos ou entidades independentes de si próprio, ao praticar um exercício espiritual ou coisa que o valha, ao se referir a tais entidades (que, para você, estão do lado de fora), você abre um espaço para o desconhecido, para o transcendente, que toma forma das tais entidades na sua Imaginação. Já quando você pensa que "está tudo em mim" (e realmente está, o problema é que a auto-imagem que você tem é a do seu Ego, não a da sua Psique, integralmente), você não dá espaço para o desconhecido, para o que habita as terras do Inconsciente (ou "mundos espirituais", nomes são apenas nomes.), logo, não é tão funcional.

A visão mágica clássica conta que, mesmo sendo todas as entidades e forças existentes independentes de você, pelo fato de o magista contar com o apoio divino (se colocando no centro de um círculo que representa o Universo, invocando Deus e usando da autoridade de seus Nomes), o místico tem condições de comandar qualquer força espiritual, já que toda e qualquer coisa é emanação de Deus. Da mesma forma, a visão extremamente psicologizada pós-moderna visa dar total controle ao ocultista, sendo que toda e qualquer força que ele venha a utilizar é uma fragmentação de sua própria Psique. O toque que precisa ser dado, no entanto, é que, sim, tudo está na sua mente. Porém, a sua mente é muito maior do que você pensa. A sua mente deve englobar tudo o que existe.

O pulo do gato, então, é entender que apesar de todas estas forças existirem em você, a sua atenção ou consciência estão fortemente fincadas no Ego, não no Si-Mesmo, que é o centro da Psique (e é ao que você se refere quando usa a palavra "Deus", geralmente). Se você em seu aspecto mais elevado engloba toda a existência, não faz sentido querer atribuir toda a potência dessas forças à sua personalidade, represando-as no Ego, e, assim, impedindo um livre fluxo da tal potência. Ser humilde, é, portanto, deixar-se preencher pelas forças que estão além daquilo que você concebe como sendo "você", e permitir que essas forças fluam através de si. Na melhor das hipóteses, um místico que não é humilde não consegue ir muito longe. Na pior delas, até consegue contatar as fontes de imenso poder e potência, mas por atribuí-las ao próprio ego, acaba por infla-lo, o que pode lhe render um fim próximo ao do Nietzsche ou mesmo, como querem alguns,do próprio Crowley.

Em outras palavras: o modelo clássico está correto. Ao menos, tão correto quanto um modelo pode estar.

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